O director para África da consultora Eurasia Group, Darias Jonker, diz que os investidores têm uma percepção positiva sobre Angola como destino de investimento, mas estão preocupados com o ritmo lento da recuperação económica. Por outras palavras, o caderno de encargos das promessas é promissor, mas da teoria à prática vão 44 anos de má, às vezes criminosa, governação.
“A percepção externa entre os analistas e os líderes internacionais é principalmente positiva, o que não é uma surpresa dada a agenda reformista de João Lourenço, que foi bem recebida, e as pessoas estão impressionadas com o ritmo das reformas e a rapidez com que a família Santos foi politicamente neutralizada”, disse Darias Jonker em declarações à Lusa.
Recorde-se que Darias Jonker afirmou anteriormente, sobre o actual chefe de Estado angolano, que foi ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos e vice-presidente do MPLA, que “apesar de se ter distanciado da corrupção descarada da era de Eduardo dos Santos, era inevitável que os três anos passados no Governo do ex-Presidente da República como ministro da Defesa o ligassem a contratos militares questionáveis”.
“A percepção de que ‘Angola está aberta para os negócios’ foi uma mensagem bem recebida pelos investidores internacionais”, vincou Darias Jonker, salientando, contundo, que “os investidores internacionais continuam preocupados com o ritmo lento da recuperação económica e os actuais desafios no ambiente empresarial no país”.
Angola enfrenta uma recessão económica desde 2016, devido à descida do preço do petróleo desde o Verão de 2014, e deverá registar este ano um novo ano de crescimento económico negativo apesar do programa de assistência financeira do Fundo Monetário Internacional no valor de 3 mil milhões de dólares, o maior alguma vez dado a um país africano.
Entre os principais aspectos positivos da governação de João Lourenço, que agora assinala dois anos à frente dos destinos de Angola, Darias Jonker destaca “a nova lei de investimento, que dá mais clareza aos investidores internacionais, as reformas no sector petrolífero, que deram origem á separação da Sonangol, e a criação da agência do petróleo e gás”, que actua como regulador do sector.
Os investidores internacionais, conclui, mostram-se preocupados com o facto de Angola “ser incapaz de diversificar a economia suficiente para deixar de ser tão dependente do petróleo, com a queda na produção nos últimos anos e com o rácio elevado de dívida face ao PIB, que torna os investidores mais cautelosos relativamente a futuras decisões de investimento”.
Questionado sobre quais os aspectos que mais poderiam mudar o futuro de Angola a curto prazo, Darias Jonker elencou “a rapidez na diversificação da economia, uma descida na dívida pública e um foco na melhoria da mão-de-obra qualificada no sector público e privado”.
“Operação branquear”
A consultora Eurasia, bem ao estilo do seu habitual comportamento, considerou em Fevereiro deste ano que a divulgação da existência de contratos entre Angola e as empresas envolvidas no escândalo da dívida oculta de Moçambique “pode beliscar ligeiramente” a imagem de João Lourenço, mas garantia que o ímpeto anti-corrupção permanece.
“Aa genda reformista de João Lourenço não vai, provavelmente, perder fôlego por causa deste desenvolvimento e apesar de a sua imagem de combate à corrupção possa ser ligeiramente beliscada, a campanha anti-corrupção focada na família de José Eduardo dos Santos e seus aliados vai provavelmente continuar”, escreveu o director para a África subsaariana desta consultora, Darias Jonker.
Num comentário à divulgação de contratos no valor de mais de 500 milhões de dólares entre o Ministério da Defesa de Angola e a Privinvest, a Eurasia dizia que “o projecto da Privinvest em Angola é «notícias velhas», foi amplamente divulgado em 2016 e faz parte do projecto Pro-Naval decretado pelo antigo Presidente José Eduardo dos Santos para garantir um sistema de segurança marítimo para o país”.
Sobre o actual chefe de Estado angolano, que na altura era ministro da Defesa, Darias Jonker disse que “apesar de se ter distanciado da corrupção descarada da era de Eduardo dos Santos, era inevitável que os três anos passados no Governo do ex-Presidente da República como ministro da Defesa o ligassem a contratos militares questionáveis”.
Recorde-se que, na altura, a UNITA defendeu uma averiguação à denúncia sobre o alegado envolvimento do Ministério da Defesa, na tutela de João Lourenço, actual Presidente da República, num negócio com empresas envolvidas nas “dívidas ocultas” moçambicanas.
A posição foi manifestada pelo líder do grupo parlamentar da UNITA, Adalberto Costa Júnior, numa conferência que abordou questões ligadas à limitação (inexistência) da fiscalização dos deputados aos actos de governação.
Em causa estava, como o Folha 8 revelou, um relatório da consultora EXX Africa que alertou que Angola podia enfrentar riscos reputacionais por o Ministério da Defesa angolano, na altura dirigido pelo actual chefe de Estado, João Lourenço, ter feito um negócio de 495 milhões de euros com as empresas envolvidas no caso das “dívidas ocultas” de Moçambique.
O “Relatório Especial” da EXX Africa sobre a ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola, quando João Lourenço era ministro da Defesa, adiantava que “há indicações cada vez maiores de envolvimento de líderes políticos angolanos no escândalo moçambicano que ainda não foram totalmente divulgadas”.
O Ministério da Defesa de Angola, dizia esta consultora, “chegou a fazer um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest, num contrato com aparentemente notáveis semelhanças com a Prolndicus e MAM (em termos de palavreado e conteúdo), as empresas que estão no centro do escândalo da “dívida oculta” de Moçambique.
“Estas ligações e os negócios feitos arriscam-se a minar o ímpeto muito popular e mediático contra a corrupção, e podem também embaraçar os principais líderes políticos angolanos, e colocam riscos reputacionais para os investidores em Angola”, acrescentava o relatório.
Em causa estão dois contratos que a EXX Africa diz terem sido assinados pelo Ministério da Defesa de Angola com as empresas Privinvest e Prolndicus, as duas empresas que negociaram empréstimos de mais de mil milhões de dólares à margem das contas públicas, em Moçambique.
“A conclusão mais significativa [da investigação levada a cabo pela consultora EXX Africa] é que a Simportex — uma empresa do Ministério da Defesa de Angola, e que entrou numa parceria com a Privinvest — assinou dois contratos significativos, no total de 122 milhões de euros, em 2015, com a Finmeccanica, agora chamada Leonardo S.p.A) para aquisições que a Privinvest poderia ter feito ela própria”, lê-se no documento.
Em Dezembro de 2015 a Simportex terá “assinado contratos para a compra e venda de equipamento, parte suplentes, e para dar instalação e treino para equipar um centro nacional e três centros de coordenação marítima regional, bem como para instalar várias estações de controlo, replicadores de sinal e meios de comunicação na costa angolana”.
O relatório explica que “o acordo foi feito entre o Ministério da Defesa e a Selex Company Ess num valor em kwanzas equivalente a 115 milhões de euros”, e incluía também “a compra e venda de dois veículos de patrulha ultra-rápidos, peças suplentes, ferramentas e serviços de treino, entre o Ministério da Defesa nacional e a companhia Whitehead Sistemi Subacquei SPA, num valor em kwanzas equivalente a 7,3 milhões de euros”.
Ainda em 2015, a consultora diz que Angola “entrou noutro acordo com a subsidiária francesa da Privinvest, a CMN (que construiu os barcos da EMATUM) para fornecer um projecto hidroeléctrico”, sobre o qual não são dados mais pormenores.
Citando uma fonte “próxima da ProIndicus”, a EXX Africa diz que João Lourenço, enquanto ministro da Defesa, visitou o projecto de Moçambique “enquanto parte de um esforço da Privinvest, liderada por Boustani, para lhe vender um pacote similar” ao que tinha apresentado a Moçambique.
O antigo vice-presidente Manuel Vicente, apresentado como alguém “que agora age como consultor financeiro e económico com extraordinários poderes e influência sobre as políticas públicas”, terá tido um “papel proeminente” nos acordos entre Angola e a Privinvest, já que terá apresentado o empresário Gabriele Volpi às autoridades moçambicanas, primeiro, e depois entre Jean Boustani e João Lourenço e a Privinvest.
Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, é um homem da confiança do presidente João Lourenço.
O director da EXX Africa e autor do relatório diz que o mesmo “não acusa ninguém de qualquer acto ilícito nos negócios entre a Simportex e a Privinvest” e enfatiza que o objectivo é “alertar para o facto de que a Privinvest tem uma reputação controversa e que os negócios com esta firma devem ser sujeitos a um escrutínio mais próximo, preferencialmente pelo próprio Governo angolano”.
Questionado sobre os pormenores da investigação levada a cabo, Robert Besseling disse que “o objectivo era alertar os nossos clientes sobre a possibilidade de haver um risco reputacional que precisa de ser investigado mais em detalhe para eles limitarem a sua exposição” e conclui que “o precedente sobre o que aconteceu em Moçambique deve servir como um aviso para todas as partes envolvidas em grandes negócios de procuração em Angola”.
Entre os documentos apresentados pela Justiça norte-americana contra Jean Boustani e Manuel Chang, há uma apresentação de 27 páginas sobre o que é a Privinvest, na qual são apresentados exemplos de projectos em países como Alemanha, França e Angola, sendo que neste último mostra-se um desenho computorizado de uma fragata ligeira, de 90 metros, com o título Project Angolan Navy, mas sem mais pormenores além das especificações técnicas da fragata.
Recorde-se que, sem esconder o seu “orgasmo” comercial, a consultora Eurasia elevou em Novembro de 2017 a previsão da evolução de Angola para Positiva no seguimento das exonerações decretadas pelo novo Presidente, considerando que João Lourenço foi “mais rápido que o esperado a lançar as reformas”.
“João Lourenço avançou rapidamente com grandes reformas desde que chegou ao poder”, lê-se numa nota então enviada aos investidores, na qual se considera que o antigo Presidente perdeu espaço de manobra para responder ao despedimento dos filhos que ocupavam cargos em empresas do Estado.
No relatório de avaliação das primeiras semanas de João Lourenço no cargo, os analistas da Eurasia embandeiram em arco e escreveram que “para além das mudanças de pessoal, incluindo a remoção da família e dos associados de Dos Santos de vários cargos no Governo, o novo Presidente está também a eliminar normas e regulamentos que beneficiavam a família e os seus interesses”.
Os analistas escreveram também que há dois factores que garantiram espaço político para estas iniciativas, apontando a “rapidez com que garantiu o apoio dos militares” e por ter conseguido, “ao avançar rapidamente sobre a família dos Santos”, assegurar que os críticos da antiga familiar se tornassem os seus novos apoiantes.
Folha 8 com Lusa